quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Macumba Fui levado por uma amiga, escritora a uma casa de macumba, depois de lhe confessar que gostaria de ter o meu amor de volta. Achei estranho, que Zeni não adentrasse no local comigo, e tivesse me abandonado defronte ao portão. - Ja te aguardam, basta chamar e te recepcionarão. - Não vai entrar comigo? - Desculpa, mas estou escrevendo uma crônica, e terei que postar ainda hoje, os meus leitores são exigentes e cobram de mim fidelidade nas postagens. - Ta bom, tchau. Ela se foi, de forma apressada, notei insegurança no seu olhar, quando o dirigia para o portão vermelho. Saltou do carro, andar de passos rápidos. No carro estava o bode, o pombo branco e duas galinhas para o sacrifício. Algumas folhas foram pedidas, também, para o banho. Entrei, após ter buzinado. O portão se abriu de forma vagarosa. Um homem negro, vestido de branco fechava o portão, enquanto o meu carro ganhava uma estrada de chão. Estacionei. Fui recepcionado por três crioulas, também, vestidas de branco. Eram jovens e belas. Os olhares eram frios, calculistas. Por baixo das vestes, de saias rodadas parecia terem corpos esculturais. - Boa-noite nhonhô, Mãe Francisca está no galpão dos rituais. Siga pelo piso de britas, entre pela porta vermelha, sem bater. - Obrigado. E as coisas que eu trouxe? Soaram palmas de uma das mucamas. Três homens vestidos de branco se apresentaram, do nada. O bode berrava, como se pressentisse o seu destino. Entrei num galpão ricamente decorado com as cores vermelha e preto. Um arrepio dominou o meu ser, por completo. Era o galpão dos rituais, ali, onde as manifestações aconteciam, acho. Uma senhora, sexagenária, vestia-se com uma roupa bem semelhante às mucamas do Brasil colonial. A cabeça tinha um turbante vermelho. Uma bata ricamente decorada com babados vermelhos e pretos lhe cobria o tronco. Dezenas de colares multicoloridos estavam no seu pescoço, alguns compridos que faziam curvas no seu colo. Tinha de todos os tipos de contas-miúdas, graúdas, coloridas e brancas. Uma saia rodada lhe cobria o tronco, escondendo os seus pés. - Aproxime-se nhonhô, não tenha medo. Sei que tem alguma necessidade, por isso está aqui. Ninguém entra aqui sem ter sido indicado. Você quer fazer, mesmo? - É..eu.. A velha soltou uma gargalhada breve, uma voz rouca. Bateu palmas curtas. As três mucamas surgiram. Pegaram-me pelas mãos. Um homem negro e forte trouxe uma tina de madeira. Uma delas enchia a tina com água. Cercaram-me e foram me despindo. A timidez foi vencida, me deixei levar - uma ereção tímida se desenhou, pois, as mucamas eram belas, e para o meu membro dirigiam o olhar. Fiquei totalmente nu. As palmas soaram mais uma vez, da Mãe de Santo. Três crioulos entraram com atabaques. O som ensurdecedor tomou o ambiente. A velha se ergueu da cadeira. Dançava e cantava. Dava passos rodados e batia palmas. - Exu, Exú Caveira venha do Inferno, vamos te dar sangue, em troca de favor. Exú, Exú Caveira venha do inferno vamos te dar sangue, em troca de favor. Cantava a velha, enquanto dançava. As Filhas de Santo faziam o coro cantando assim: " Exú, Exú Caveira, ele é o nosso Mestre, ele ta chegando para ajudar, mas tem que dar sangue para ele beber..." Com o desenrolar daquele ritual fui tomado por um torpor incontrolável. O coração batia acelerado. Havia uma expectativa assustadora de minha parte. Fiquei estupefato, pois, ao olhar para o rosto da velha estava transfigurado. Havia perdido a falta de mobilidade natural da idade. Erguera o tronco, numa postura imponente. Quase desmaiei, quando a velha falou com uma voz masculina, bem empostada: - Cheguei, se quer ser o meu servo vai ter que me dar sangue para beber. Em troca, atenderei favores que possa fazer, em nome do Pai que ninguém pode vencer. Mestre da cerimônia encubra o rosto do Cristo para ele não me ver... Um dos homens trouxe um quadro, onde havia a pintura do rosto de Jesus. Uma das Filhas de Santo, ao som dos atabaques cobriu o rosto da pintura de Jesus com o pano preto. Eu tomei um de demorado banho de folhas. Ao som dos atabaques, as três Filhas de Santo começaram a entoar um novo cântico: " Padilha, ela ta chegando, ele é do amor, ela é dos prazeres e da festa quer participar. Padilha..." Uma das Filhas de Santo incorporou o espírito. As suas feições se transfiguraram. Foi aos poucos, dançando e se despindo. A visão do seu corpo negro, de curvas estonteantes incendiaram o meu ser. Fui tomado por uma excitação desmedida. A Filha de Santo dançava envolvendo o seu corpo no meu. Roçava os seios no meu tronco e encostava a sua púbis no meu membro hirto. Eu podia sentir uma atmosfera energética que me dava calafrios - parecia que estava numa geladeira. Pude observar que os olhos dos presentes reviravam, de forma que as pupilas ficavam deslocadas. Contorciam-se, e dançavam. Davam gargalhadas. As garrafas de champagne foram abertas. Padilha bebia no gargalo das garrafas. Três garrafas foram sorvidas, de vez - e a Filha de Santo transfigurada não ficou bêbada. Fumava um cigarro atrás do outro. Eu havia trazido dois pacotes. - O irmão quer ter a esposa de volta? Perguntou a velha com voz masculina. - Eu quero... Falei, inseguro. - Quer me dar sangue para beber? Fiquei em silêncio. - Eu quero. O bode foi trazido. Um dos serviçais do terreiro, vestido com uma roupa, particular, chamada de roupa de ração, branca tirou uma lâmina pontiaguda e a enfiou, num golpe certeiro na jugular do animal. Este berrou e esguichou-se em sangue. Este era recolhido num vasilhame chamado de alguidar.E, assim foi feito com o pombo e as galinhas pretas. - Beba, meu filho. Fiquei inseguro, porém, não podia recusar. Era um caminho sem volta. Maria Padilha dançava, bebia e fumava. O seu olhar amedrontador era dirigido para mim, como se devorasse as minhas formas. Bebi do sangue, por incrível que parecesse o sangue tinha sabor doce, agradável. A velha incorporada polo espírito de Exú Caveira bebeu do sangue com sofreguidão. Observei o quadro coberto com o pano preto. Era como se eu estivesse abandonando Jesus e entrando para a família do Mundo das Sombras. Em troca de tão pouco, o amor de uma mulher-uma paixão que se estendia por mais de uma década. - Sete anos ela ficará contigo. Disse Maria Padilha, enquanto esfregava a sua púbis no meu membro, que permanecia hirto, como se uma mágica o sustentasse diante daquela atmosfera envolta naquela ritual mágico. Ela se introduziu, e em questão de segundos, esporrei, devido aos movimentos frenéticos, velozes do seu quadril. Um orgasmo ao som dos atabaques e dos cânticos infernais. - Está selado o ritual. Disse Padilha, desgrudando-se de mim, gargalhando. Pegou de mais uma garrafa de champagne e a sorveu com gula desmedida. Eu ficava embasbacado-como conseguia beber tanto e não dar sinais de embriaguez. - Criou-se o vínculo entre você, o seu amor e a nossa irmã, Maria Padilha. Disse uma das Filhas de Santo - com a voz embargada, rouca, sufocada. - Estarei com ela vinte e quatro horas por dia, influenciando-a para que so pense em você. Farei dela a sua mulher, mais uma vez, por sete anos. Disse Padilha. Ria, dançava, bebia e fumava. - O esperma é uma energia vital que cria vínculos energéticos, magnéticos e psicossomáticos. Eu tenho o seu esperma em mim, agora somos um so. Nós três viveremos juntos, por longos sete anos. Falou Maria Padilha. Fiquei tenso com aquela revelação assustadora. - Ela será sua, basta que tenha a oportunidade para esporrar no interior do seu corpo. Ali, jogue a sua semente, contudo, não poderá engravidá-la. Um filho, sempre é programado pelos "Olhos Meigos",então, quebrará o pacto com o sinistro, com os Filhos das Sombras. Deverá ser so prazer, prazer, prazer, prazer... Emendou, dando risadas, dançando, bebendo e fumando. Dez garrafas de champagne foram tomadas, sem que ficasse bêbada. Dois pacotes de cigarros foram fumados. - Perdi a parada, a barganha é de paixão e sexo. Despeço-me, porém, a nossa irmandade foi selada nas oferendas que me serviu e no sangue que me ofereceu. Quando precisar de mim é so me chamar. Observou o espírito Exú Caveira. A velha rodou, e caiu dando um grito de pavor que ecoou pelo barracão a dentro. O espírito se desprendeu. Os atabaques tocaram de forma frenética, ensurdecedora. Os cânticos mais uma vez foram entoados, diziam assim: " Exú, Exú Caveira, chegou, chegou para ajudar. Bebeu sangue oferecido para a irmandade selar. Exú, Exú caveira se despediu e foi embora, mas chamando, do Inferno ele pode voltar..." O ritual foi esvaindo-se aos poucos. A Filha de Santo foi ao solo. Foi acolhida pelas colegas. Ergue-se do solo, aturdida, meio inconsciente. - Onde estou? O que aconteceu? Indagava. Parecia não ter consciência daquela vivência espiritual. As duas a amparavam. Deram-lhe um copo com água tirada de uma moringa. O pano preto foi tirado do quadro de Jesus. Cânticos de finalização de ritual foram entoados. Fui mais uma vez banhado com folhas de limpeza, segundo a Mãe de Santo para a dispersão das energias pesadas, sombrias. - Está consumado, filho. Agora faz parte da nossa família. Fiz o pagamento. Antes mesmo de sair do terreiro, o telefone tocou. - Oi, preciso falar com você. Estive pensando bem e sinto a sua falta... Disse Analice, a minha esposa depois de mais de seis meses de separação. O meu coração bateu forte. - Terminei com ele... Emendou. Depositei o alguidá com as oferendas numa encruzilhada. Duas galinhas pretas decoradas com fitas vermelhas e pretas, e com os corpos perfurados por centenas de agulhas. Garrafas de champagne,charutos e uma farofa de dendê. Uma imagem de gesso do espírito dos prazeres, Maria Padilha me acompanhava no carro. Esta deveria ficar ao lado de minha cama. Muitos dias se passaram. Caso pudesse ver com os olhos da alma, Analice veria uma mulher jovem, bela, vestida com uma roupa vermelha, sensual que estava ao seu lado lhe sussurrando aos ouvidos a volta para mim. Seria , talvez uma volta por sete anos. Eu aceitei que assim fosse. Ficou uma imagem no meu subconsciente, de marido apaixonado. O Olhar Meigo de Jesus a fitar-me, quando o pano preto foi tirado de cima do quadro. Leônidas Grego